Não tinha a intenção de abordar esse assunto logo no segundo post do meu blog. O tema sempre foi um dos meus interesses principais em razão da minha história de vida. Porém... a revista de maior circulação do país - Veja - traz em sua capa (edição 2 266) desta semana: "Do alto tudo é melhor". Então já sacaram o tema: altura.
Quem me conhece sabe que minha altura me incomoda desde que tenho uns 15 anos. Não sou "baixinho-inho". Estou bem na estatura média atual dos brasileiros: 1,74m. Não sei se o dado sobre a média é realmente confiável, mas se não for isso, é bem próximo.
Muitos baixinhos pra valer, com menos de 1,70m, poderiam achar um tanto fútil que um cara um tantinho mais alto reclame. Meu principal problema é que não fui uma criança pequena, em nenhuma fase da infância. Nasci com 56 centímetros! Cabe dizer que nasci com quase dez meses... meu parto foi bem complicadinho. Vim à luz em parada cardiorrespiratória, fui reanimado, e tudo depois seguiu às mil maravilhas.
Na minha escola era necessário fazer fila para ir às salas de aula. Todas as turmas ficavam no enorme pátio enfileiradas; uma coluna para os meninos, outra para as meninas. Os mais baixos na frente, os mais altos atrás. Sempre fui um dos último da fila. Éramos sempre mais de 20 garotos por turma e eu nunca ficava antes dos cinco últimos. Numa das séries eu era o penúltimo. Só havia um cara mais alto que eu na sala: Roberto K. Um japonês jogador de beisebol. Tornou-se um adulto alto. É o único japonês 100% que conheço que é alto.
Eu já tinha minha estatura atual antes de completar 13 anos. A sensação era que eu tinha mais pelo menos cinco anos de crescimento pela frente. Pobre iludido (rs...), achava que passaria dos 1,80m fácil. Ledo engano. Aí cheguei aí parei. Depois dos 13cm não cresci um puto milímetro. Lá pelos quinze anos o pequeno incômodo de ver os colegas crescendo a olhos vistos se tornou algo que não poderia mais ignorar. Outro fato que me incomodava era não passar meu pai em altura. É senso comum que o filho homem tem de se tornar mais alto que o pai. Não foi meu caso. Acabei fisicamente "puxando" meu avô materno. O carcamano tinha 1,64m segundo dizem, pois morreu em 1975. No fim tento me convencer que acabei no lucro!
Bom, chegando aos 15 anos pedi ao meu pai que me levasse ao endocrinologista. Lá fomos nós ao consultório do médico na rua Bahia, em Higienópolis. Não me lembro o nome dele, mas era judeu. Meu pai sempre deu preferência a médicos judeus, vai entender. Chegando lá, a surpresa. O médico era consideravelmente mais baixo que eu. Travei. Deixei então que meu pai tomasse coragem e dissesse ao médico que eu estava descontente com minha altura. O cara foi muito profissional e claro. Tratou-me como um adulto e achei isso legal. Prescreveu um exame de idade óssea e que só poderia saber se eu tinha potencial para crescer mais depois do resultado. Porém, já com minha história clínica (sem crescer nada em dois anos, dois dentes do siso já nascidos...) ficava fácil imaginar que o prognóstico não era dos melhores.
Feita a radiografia da mão, dias depois veio o resultado. Fomos eu, meu pai e minha mãe buscá-lo num laboratório de imagem na avenida Paulista. Resultado: idade óssea de 19 anos. Game over.
Voltei ao médico e ele confirmou que não havia nada a fazer e que eu deveria me confirmar com a altura que tinha. Avisou para tomar cuidado com remédios milagrosos e charlatães. Nada podia ser feito a não ser uma cirurgia maluca que te quebra os ossos das pernas e ficas um ano de molho sem mal poder se mexer. Só valia a pena em casos extremos, como o de garotos com menos de 1,55/1,60m. Depois me disse algumas obviedades que àquela altura eu já sacava. Fazia parte do script do médico. Ele mesmo por experiência pessoal sabia tudo aquilo de cor.
A partir de então o complexo com minha altura passou a fazer parte de quem eu sou. Dura até hoje. É um troço perverso, difícil de entender. A internet oferece muito material sobre o tema. Leio blogs, matérias jornalísticas e tenho até um livro sobre o tema:
Size Matters (O tamanho importa) de Stephen S. Hall. O autor tem pouco mais de 1,65m.
Para minha surpresa recebo a Veja desta semana e vejo na capa um homem alto, de boa aparência, sorridente, confiante, elegantemente vestido. Um vencedor. Ao lado dele um baixinho obeso, de cara amarrada, invocado, vestido mal e porcamente. Um seboso. É mais um empurrão que a revista de maior circulação no Brasil dá ao preconceito de altura. É isso mesmo, pre-con-cei-to. Muitas pessoas quando me ouvem falar de preconceito contra pessoas de baixa estatura dão risada. Preconceito só existiria em relação a negros, mulheres, índios, homossexuais, obesos e um punhado de outros grupos. Preconceito contra baixinho é algo simplesmente ignorado no Brasil.
Nos Estados Unidos o preconceito de altura se chama
heightism. Em português seria algo como "altismo", com L. Autismo é outra coisa. O altismo é um dos últimos preconceitos socialmente aceitos, primeiramente porque é solenemente ignorado. É lícito a qualquer um tirar sarro de alguém, quase sempre homem, em razão da sua estatura. Isso sem falar nos estereótipos que são vinculados ao homem de baixa estatura: invocado, complexado, nervoso, irritadiço. Qualquer coisa que faça o homem de baixa estatura sobressair rapidamente se torna fruto da compensação por ser baixinho. Ele teria "superado" aquela maligna condição.
Tudo isso sem falar nas preferências femininas quanto à estatura do homem. Isto dá um capítulo à parte. Voltando à reportagem de Veja. A matéria é de baixíssima qualidade. E posso falar isso como assinante e não um dos tantos desmiolados que criticam Veja só porque a linha editorial não lambe as botas do nosso Estimado Líder Kim Jong Lula.
A reportagem compila uma série de dados de pesquisas completamente inconclusivas e de maneira errática, misturando dados de pesquisas científicas sérias com surveys de origem duvidosa. Um dado é realmente inconteste: quanto mais baixo é o homem menos ele ganha (na média, é claro). Agora os outros são pura especulação, como afirmar que homens mais altos são mais saudáveis. A pesquisa aí é contaminada estatisticamente em razão da amostragem. Muitos dos homens mais baixos têm baixa estatura porque tiveram problemas nutricionais na infância, ou seja, não atingiram a altura-limite geneticamente programada. Nenhuma pesquisa comprovou que homens de baixa estatura que atingiram seu potencial genético são menos saudáveis do que homens altos sob as mesmas condições. Os sardos estão aí para comprovar: é difícil encontrar um velhinho sardo com mais de 1,70m e eles são notórios centenários.
A revista falha ao não contextualizar a questão e a perpetuar preconceitos, começando pela imagem da capa, que é simplesmente torpe e preconceituosa. Todos se indignam quando se diz que negros ou mulheres, na média, ganham menos que homens brancos. Lendo a reportagem de Veja parece algo aceitável, natural e até mesmo desejável que homens de baixa estatura ganhem menos.
A revista também mostra um feliz casal cujos dois filhos têm 1,92m e 1,96m de altura. Todos esfuziantes! O pai tem 1,78m e a mãe 1,72. A revista diz que são "oriundos de família mediana". Em que mundo uma mulher de 1,72m tem altura mediana? Nem mesmo na Holanda! A média feminina pra uma mulher de 60 anos não passa de 1,60m. Enfim, a revista dá eco à ideia que ter filhos altos é uma conquista, uma vitória.
Nada foi dito na reportagem sobre o preconceito que existe em detrimento de homens de baixa estatura. Apenas passaram a ideia que as agruras dos homens baixinhos são um dado da natureza. Nada há a fazer. Os perdedores na loteria genética que se danem. O mundo passa por cima deles. Posso até imaginar o dano emocional que uma reportagem como essa causa num adolescente de baixa estatura. Acho que se tivesse lido uma matéria assim quando tinha dezessete anos teria entrado em depressão imaginando o futuro negro que teria pela frente. Seria um infeliz, como concluiu a revista: "Quanto maior a altura de um homem, mais feliz ele é.".
É uma pena que Veja tenha perdido a oportunidade de fazer uma bela matéria sobre o tema. Poderia ter trazido tudo o que mostrou e mais uma análise aprofundada sobre o preconceito de altura, ouvindo também adolescentes e homens de baixa estatura. Preferiram fazer uma análise rasa, preconceituosa e até - ouso dizer - cruel, espezinhando a autoestima de pessoas de baixa estatura e reforçando a ideia de que é lícito discriminar homens pela sua altura, não havendo nada de errado em tal atitude.
Voltarei ao tema com certeza... fica aí publicada uma das minhas comezinhas preocupações.